Quem ganha e quem perde com a reforma ministerial?

A presidente Dilma Rousseff levou mais de um mês para conseguir fechar a reforma ministerial. A tarefa de acomodar todos os interesses políticos foi tão trabalhosa que extrapolou o prazo anunciado inicialmente (setembro) e ficou aquém do corte prometido (dez ministérios).

Matéria publicada no site de notícias BBC Brasil, no dia 2 de outubro, segue:


Na manhã desta sexta-feira, ela informou a redução do número de pastas de 39 para 31 e o aumento do espaço do PMDB, que ganhou o disputado

Ministério da Saúde e passou a comandar sete cadeiras em vez de seis. Anunciou também o corte de mais 3 mil cargos comissionados e redução de 10% na remuneração dos ministros.

A longa negociação evidencia a importância do gesto: a troca de ministros é considerada em Brasília um movimento fundamental para recompor a governabilidade e afastar o risco de um impeachment.

No entanto, mesmo esse enorme esforço de articulação política – que contou com atuação direta do ex-presidente Lula – pode não ser suficiente para fortalecer o governo e blindar Dilma contra as tentativas de derrubá-la, acreditam analistas ouvidos pela BBC Brasil.

Para alguns, a reforma dá novo fôlego a seu governo no curto prazo, já para outros escancara o quão fraca está Dilma. O vencedor inequívoco da reforma, dizem, é o PMDB. Do outro lado, saem derrotados o PT e os movimentos sociais.

Foi confirmada também nesta manhã a substituição do ministro de confiança da presidente Aloizio Mercadante por Jaques Wagner, petista próximo a Lula, no comando da Casa Civil.

Algumas pastas foram fundidas, como as secretarias de Direitos Humanos, Políticas para as Mulheres e Políticas de Promoção da Igualdade Racial, o que desagrada profundamente grupos da base do PT. Para tentar reduzir o desgaste foi escolhida uma mulher negra para comandar o novo Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, Nilma Lino Gomes.

Quem ganha com a reforma?


Para o cientista político Antonio Lavareda, professor da Universidade Federal de Pernambuco, a reforma ministerial "talvez não sinalize
exatamente o que se vê". Embora ela tenha sido realizada com objetivo de fortalecer Dilma, ele diz acreditar que as mudanças evidenciam exatamente o contrário.

O professor chama atenção para o fato de que a presidente teve que abrir mão de "fatias expressivas de poder". Ele acredita que as chances hoje de que seu mandato seja interrompido são maiores do que antes.

"Nessa reforma, só o PMDB ganhou e todo o resto perdeu, inclusive a presidente. O PMDB tem, ao que parece, uma estratégia de substituir a curto prazo Dilma na cadeira presidencial. Agora, é como se o PMDB começasse a governar antes da faixa presidencial", analisa.

O professor vê um risco real de o principal "aliado" do governo petista deixar a aliança em novembro, quando o partido faz sua convenção. Se isso acontecer, diz, "acabou o governo Dilma".

Apesar de muitos destacarem que sua personalidade forte impediria a presidente de renunciar, Lavareda não descarta essa possibilidade. "Quem diria meses atrás que ela abdicaria de tantas fatias de poder? E ela foi capaz de abdicar. Abdicou até agora de quase tudo", argumenta.

O cientista político e professor da Universidade de Brasília David Fleischer tem opinião semelhante. Para ele, um impeachment "é questão de tempo".

"Dilma está mais enfraquecida. Isso faz parte do jogo duplo do PMDB, porque o PMDB quer levar Michel Temer à Presidência e, para isso, está fazendo tudo para enfraquecer mais ainda a Dilma", afirmou.

Mas nem todos concordam com essa visão catastrofista para o governo petista. O professor da Universidade de São Paulo Lincoln Secco, especialista na história do PT, destaca que os principais partidos que poderiam levar adiante um processo de impeachment da presidente – PSDB e PMDB – têm muitos caciques, com interesses diferentes, o que pode dificultar um consenso em torno da derrubada de Dilma.

Ele destaca ainda que um eventual sucessor da presidente enfrentaria os mesmos problemas de Dilma, sem a legitimidade de ter sido eleito. Mas, embora ele ache pouco provável que ocorra um impeachment, não descarta completamente essa possibilidade. Caso Dilma não consiga recuperar sua popularidade, acredita Secco, "o PMDB pode querer mais, pois seu apetite é insaciável".

Já o PSDB, afirma, não ganharia com um impeachment, pois isso criaria mais um possível forte candidato para as eleições de 2018: Michel Temer, além de Lula e Marina. "O PSDB hoje é o partido com mais chances de vencer em 2018. Não interessa ter que enfrentar Temer".

Para o cientista político Rafael Cortez, da consultoria Tendências, a reforma ministerial reduz as chances de o PMDB deixar o governo no curto prazo. No entanto, a Tendências continua estimando um risco de 30% de ocorrer um impeachment.

"Dar mais espaço ao PMDB é um passo importante que mostra que Dilma pode garantir a continuidade do seu mandato. Mas ainda não vejo redução do risco de impeachment e nem garantia de melhora da governabilidade porque governo fraco tem dificuldade em gerar cooperação", observa Cortez.

"Participar de uma coalizão de governo é um cálculo de custo e benefício. Do ponto de vista da opinião pública, há um custo muito elevado em participar de um governo com baixa popularidade. O que o governo fez foi aumentar o benefício de estar na base aliada, pois ter espaço na administração pública contribui positivamente para o desempenho eleitoral."

Quem perde com a reforma?


A reforma ministerial evidencia o encolhimento do PT no cenário político, algo que deve se confirmar também nas eleições municipais de 2016. Lincoln Secco observa que hoje os dirigentes do partido já dão como certa uma redução do número de prefeitos petistas eleitos no próximo pleito; a questão é saber qual será a intensidade dessa redução.

"Hoje o PT está em stand by (em espera)", resume o historiador. "O partido passa por um momento de crise aguda, mas ele tem ao menos a Presidência da República e uma parte desses ministérios. É uma reserva para se projetar novamente em 2018, porque simbolicamente ele não perde o governo", pondera.

Apesar de Lula ter tido um papel ativo na construção do novo ministério e ter conseguido emplacar nomes de sua confiança em postos chave (Wagner na Casa Civil e Ricardo Berzoini na nova Secretaria de Governo), os analistas ouvidos pela BBC Brasil não consideraram que ele sai vitorioso desse processo.

"Uma vitória em que se está totalmente cercado no campo de batalha não é vitória. Na verdade o que isso revela é mais o fracasso da própria Dilma como condutora da política do que uma vitória de Lula. Ele apareceu ali para salvar o mandato dela, só isso", diz Secco.

"O que o presidente Lula fez foi colocar alguém (Jaques Wagner) de bom senso, com menos arestas, para ajudar a presidente nesta que pode vir a ser a etapa final do seu governo", afirma Lavareda.

Entre os petistas, o principal derrotado é Mercadante, que volta ao comando do Ministério da Educação. Para Secco, sua derrocada "é impressionante". Ele nota que o ministro cresceu no PT pelas mãos de Lula – coordenou seu plano econômico na campanha presidencial de 1989, foi eleito deputado federal com seu apoio, depois foi seu vice na chapa de 1994 e em 2002 conquistou uma vaga de senador.

"Mercadante se afastou de Lula ao escolher se aproximar da Dilma, se tornar uma pessoa de confiança dela. O problema é que ele não poderia antever que ela entraria numa crise desse tipo. Se o governo dela não estivesse numa crise, ele estaria bem também", observa.

Outro derrotado inequívoco da reforma ministerial são os movimentos sociais. Para estes, as pastas de Direitos Humanos, Políticas para as Mulheres e Políticas de Promoção da Igualdade Racial eram essenciais para dar visibilidade as suas causas e aumentar as políticas de redução de desigualdade.

"Foram os movimentos sociais que colocaram a presidente nessa posição (na Presidência). E a gente só colocou Dilma lá porque acreditava que ela, e quem veio antes dela, era a melhor alternativa para fazer justiça social. Sem essas pastas, ao mesmo tempo que foi feito um leilão do Ministério da Saúde e adotada uma política que privilegia os bancos, a gente percebe que ela está indo na contramão da justiça social. Eu não tenho outra palavra para isso que não seja traição", afirma a coordenadora da ONG Criola, Jurema Werneck, importante liderança do movimento negro.

Werneck diz que a nomeação de Nilma Gomes para a nova pasta é o único fato positivo do anúncio desta sexta. "Dilma ouviu o conselho da Viola Davis (primeira negra a ganhar o Emmy de melhor atriz dramática): uma mulher negra precisa de oportunidade para mostrar competência. Ela deu essa oportunidade a Nilma", afirma.

Questionada sobre se a reforma ministerial não era necessária para evitar um impeachment, Werneck disse que na verdade a mudança de ministros "já é o golpe".

"Esse tipo de coisa é uma rendição ao golpe. O impeachment era só o bode na sala, porque o impeachment não tem materialidade. O Supremo (Tribunal Federal) não aceitaria, nem a população. Mas, na verdade, isso quer dizer que o golpe venceu", lamenta.

Destaques da Reforma


Jaques Wagner assume Casa Civil e Aloizio Mercadante volta para o Ministério da Educação.

Marcelo Castro, deputado pelo PMDB do Piauí, vai para o Ministério da Saúde – antigo aliado do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, hoje está afastado dele.

Ricardo Berzoini foi deslocado para Secretaria de Governo, pasta criada da fusão da Secretaria de Relações Institucionais e Secretaria Geral da Presidência.

André Figueiredo, líder do PDT na Câmara, substitui Berzoini no Ministério das Comunicações.

Nilma Lino Gomes comandará novo ministério resultado da fusão das secretarias de Direitos Humanos, Políticas para as Mulheres e Políticas de Promoção da Igualdade Racial.

Miguel Rosseto assume o novo Ministério do Trabalho e Previdência.

Aldo Rebelo substitui Wagner na pasta da Defesa e dá lugar ao deputado Celso Pansera (PMDB-RJ), no Ministério da Ciência e Tecnologia.

Helder Barbalho (PMDB-PA) trocou o Ministério da Pesca pela Secretaria de Portos.


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